I. Introdução
O texto procura fornecer um panorama geral do tema da racionalidade limitada aplicada aos contratos, apresentando o essencial sobre o tema, algumas das discussões mais relevantes e possíveis implicações no ordenamento jurídico brasileiro.
O ponto de partida escolhido foi a lei da liberdade econômica, embora a questão da racionalidade limitada seja muito tratada e dispense qualquer arcabouço positivo, eis que verificada por farta doutrina e por experimentos empíricos que confirmam a hipótese de sua incidência no campo contratual.
Também é proposta uma intersecção entre Direito, economia e psicologia através da apresentação da AED – Análise Econômica do Direito e da Economia Comportamental, e como elas podem ser utilizadas no âmbito do direito contratual.
A lei da liberdade econômica (lei 13.874/19) alterou o art. 113, do CC, que regula o tema da interpretação dos negócios jurídicos, interessando para o presente texto o disposto no parágrafo primeiro, inciso V, que estabelece:
“A interpretação do negócio jurídico deve lhe atribuir o sentido que corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida, inferida das demais disposições do negócio e da racionalidade econômica das partes, consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração”.
Tendo o dispositivo acima como ponto de partida, passa-se à exposição dos argumentos.
II. Law and economics e behavioral law and economics
O dispositivo introduziu no direito brasileiro o tema da racionalidade econômica, reconhecendo em grande parte a influência e importância da economia para o Direito, especialmente para os contratos. Destaca-se a corrente conhecida por L&E – Law and Economics e a sua mais recente variação, conhecida por BL&E – Behavioral Law and Economics, popularizadas mundialmente por obras de autores como Coase, Becker, Posner, Taller, Sunstein e Kahnemann1. Tais obras sustentam, em apertada síntese, que Direito e economia caminham juntas em diversas áreas e que podem colaborar reciprocamente para a solução de questões jurídico-econômicas.
Assim, embora não seja estranho ou desconhecida a tese de que o sistema jurídico influencia a produção de riquezas em uma sociedade, a análise econômica do direito vai além e busca explicar como o indivíduo reage às normas jurídicas valendo-se, para tanto, do instrumental da economia. Sinteticamente, a L&E busca avaliar as consequências e os motivos das escolhas humanas, permitindo uma nova compreensão do cenário jurídico, inclusive para situações futuras.
Essa perspectiva é possível uma vez que a ciência econômica é acima de tudo uma ciência comportamental, pois, para os economistas, a relação das pessoas com o mundo é explicada por elas agirem e serem governadas por regras que atingem diretamente a racionalidade humana. Sob a perspectiva da Teoria da Escolha Racional2, os agentes econômicos são seres absolutamente estraordinários, porque são capazes de possuir preferências definidas e estáveis; conseguem processar todas as informações para calcular e comparar dentre as diversas escolhas possíveis qual é a melhor e tomam decisões sempre ótimas, que maximizam perfeitamente a utilidade esperada.
Como é possível observar, o padrão comportamental da Teoria da Escolha Racional parte da ideia hipotética de que todo indivíduo tem acesso e compreensão de todas as informações relevantes para a tomada de decisão. Entretanto, a realidade contradiz essa premissa, tanto que Herbert Simon apresentou uma crítica contundente ao modelo quando enunciou e até demonstrou que os indivíduos possuem limitações cognitivas que comprometem a sua racionalidade plena, razão pela qual exprime a ideia de racionalidade limitada a partir da verificação objetiva de que existem limitações cognitivas que comprometem a visão de racionalidade plena, inaugurando a chamada Economia Comportamental.3
Essa corrente questiona os postulados da economia clássica que defendia a existência do “homo economicus”, um ser completamente racional, mas que somente existia nos livros. Assim, o indivíduo da racionalidade limitada é mais factível, porque substitui “o objetivo da maximização pelo da satisfação, substitui a exigência do ótimo pela do meramente suficiente, daquilo que basta para se poder agir”.4
Aprofundando o tema, pesquisas de Richard Thaler5, Daniel Kahneman e Amos Tversky6 7- demonstraram a existência de uma multiplicidade de fatores capazes de influenciar o processo de tomada de decisão, pois os indivíduos utilizam heurísticas, ou atalhos mentais que facilitam a tomada de decisões ditas complexas. Essas heurísticas, por sua vez, podem ser contaminadas por vieses cognitivos, ou seja, distorções no processo de julgamento das informações disponíveis, causando erros previsíveis nas decisões. Deste modo, ao tomar decisões, as pessoas cometem erros previsíveis por se apoiarem em heurísticas que resultam em vieses comportamentais. Assim, estudos em conjunto de psicólogos e economistas verificaram que a maximização da utilidade não é o único fator que motiva o comportamento humano, existindo outros fatores que devem ser considerados, inclusive subjetivos, como bem-estar e justiça, além, é claro, da sujeição à diversas heurísticas e vieses que podem levar a erros na tomada de decisão.
A transposição dessas lições para a área contratual é inerente. O indivíduo que celebra contratos possui racionalidade limitada condicionada por heurísticas e vieses que acabam por influenciar a decisão final. Esse fator passa a ser objeto de considerações e deve ser acolhida pela literatura jurídica, na medida em que não é possível dissociar o plano do contrato da decisão que leva até ele.
III. Racionalidade limitada e contratos incompletos
A racionalidade econômica dos indivíduos é limitada e isso impacta a forma de compreensão do contrato. A carga cognitiva necessária para compreender o contrato é variável, porque envolve considerar muitas contingências que podem não ser retratadas no contrato celebrado entre as partes. É muito complexo estabelecer um conjunto de cláusulas que abarque a totalidade de variáveis envolvidas numa determinada relação, motivo pelo qual as partes costumam empregar mecanismos cognitivos de simplificação, as heurísticas e vieses.
Heurísticas são espécies de atalhos mentais que o indivíduo emprega no processo de tomada de decisão, para evitar ter que processar e separar toda informação disponível a respeito do negócio que se pretende firmar e ver retratado em um contrato. Vieses, por sua vez, são padrões de distorção que empregamos no processo de tomada de decisão, desvios lógicos que levam a decisões irracionais. Como os indivíduos costumam utilizar informações ao nível satisfatório e não ótimo ou completo, valem-se de heurísticas e vieses cognitivos para encurtar esse processo de tomada de decisão, o que pode levar a erros ou decisões irracionais que acabam por macular o objetivo do contrato.
Isso leva ao tema dos contratos incompletos. Em geral é muito caro produzir um contrato completo, por diversos motivos. A alocação de tempo, as contingências necessárias para todas as variáveis de potencial descumprimento, os custos de oportunidade envolvidas, dentre outros elementos necessários para buscar um contrato completo podem ser tão expressivos que os custos de transação se tornam proibitivos para celebrar o contrato, e não é esse o objetivo das partes. Elas querem e desejam celebrar o contrato e por isso contentam-se com um nível satisfatório de informações que levam a cláusulas e condições contratuais incompletas. A incompletude, portanto, tem um certo grau de intencionalidade das partes que precisa ser ponderada no momento de se interpretar o contrato.
Em certa medida as partes escolhem no contrato um nível de “ignorância racional”8 para tomar a decisão de celebrar este ou aquele contrato, por incluir ou não incluir esta ou aquela cláusula e assim sucessivamente. Por exemplo, não é incomum verificar contratos de longa duração de fornecimento de insumos elaborados de forma relativamente simples, porque as partes depositaram na confiança e na reputação boa parte das expectativas em torno da solução de futuros estados de mundo, eis que, por ser um contrato de longa duração, seria impossível prever todas as contingências possíveis sem incorrer em elevados custos de transação que poderiam levar à não celebração do contrato. O grau de confiança e a reputação são fatores importantes e geralmente considerados na celebração de contratos, e que fazem as partes escolherem uma à outra. Por outro lado, isso por si não é uma garantia inequívoca de que o contrato será totalmente cumprido e que condutas oportunistas não poderão surgir ao longo da vida do contrato, todavia, continuam sendo um indicador para juízos de ponderação para a tomada de decisão a respeito de contratar ou não contratar.
A liberdade de contratar tem custos que as partes precisam incorrer, por isso a opção, muitas vezes, pelos contratos incompletos. Comecemos pela definição de um contrato completo, que é aquele em que as partes conseguem prever, ex ante, todas as contingências contratuais futuras, constituindo um modelo ideal que leva em consideração fatores que facilmente se constatam como inexistentes. São eles: custos de transação zero, racionalidade ilimitada dos contratantes e informações perfeitas e simétricas. Esse cenário é geralmente irreal.
A visão mais realista aponta para os contratos incompletos, que garantem uma estrutura de governo ativa e funcional, endógena e exógena capaz de disciplinar e oferecer soluções eficientes para situações futuras e incertas que afetem os resultados pretendidos pelas partes quando da formação dos contratos.9 A racionalidade econômica limitada facilmente nos leva à opção das partes por deixar pontos vagos ou imprecisos no contrato para reduzir os custos de transação na fase de negociação. Portanto, é nesta fase que a incompletude se revela, mas que se materializa no contrato. Por esse motivo, algumas vezes não é possível encontrar na fase de negociação nenhuma tratativa a respeito de um determinado evento futuro e incerto simplesmente porque as partes optaram por isso, uma espécie de “ignorância racional’.
IV. A racionalidade limitada dos tribunais
Partes insatisfeitas com um contrato costumam recorrer aos tribunais. Nesse momento elas adicionam uma terceira “parte” que também possui racionalidade limitada e que, por isso, terá dificuldades em preencher as lacunas contratuais que foram, em certa medida, intencional e deliberadamente deixadas pelas partes contratantes. Assim, os tribunais são chamados a concluir contratos que foram deixados incompletos pelos próprios contratantes.
O contrato é capaz de descrever direitos e obrigações das partes em estados alternativos do mundo que não existiam no momento da celebração. Assim, na formação do contrato são levadas em consideração fatos do passado e do presente, mas o contrato serve para regular situações hipotéticas futuras inexistentes naquele momento, as quais podem ou não se verificar objetivamente. Os contratantes, portanto, muitas vezes optam por não atribuir obrigações em estados futuros possíveis porque isso pode ser muito custoso.
Logo, a tendência é de que, por serem limitadamente racionais, os indivíduos precificarão um número limitado de hipóteses futuras como parte de sua decisão de contratar, o que pode levar a que os termos escolhidos para formar o contrato não sejam eficientes o suficiente para resolver potenciais desacordos no momento do cumprimento do contrato.
Basicamente seriam dois os mecanismos disponíveis para solucionar essa lacuna. Os contratantes estabelecem no próprio contrato formas de suprir futuros estados do mundo através de uma renegociação, estabelecendo o modo e a forma como ela poderá ocorrer; ou então, buscam uma decisão adjudicatória junto ao tribunal.
O tribunal, por sua vez, precisa estabelecer mecanismos, a partir da sua própria racionalidade limitada, para tomar a decisão adjudicatória necessária para suprir a incompletude contratual deixada pelas partes. Nessa situação, o tribunal costuma estar assimetricamente informado, e verdadeira desvantagem em relação às partes que firmaram o contrato, porque cada uma delas possui um conjunto de informações que pode ou não trazer à discussão e apreciação do tribunal. Cabe ao tribunal buscar suprir essa lacuna informacional adotando mecanismos probatórios suficientemente abrangentes e aponto de reduzir ao menos em parte a assimetria de informação que paira sobre ele no momento de tomar a decisão.
Para essa tarefa, existe o art. 113, parágrafo primeiro, inciso V, do CC, que estabeleceu uma espécie de “equação” para essa tarefa, um modelo interpretativo aplicável aos contratos, como será adiante apresentado.
V. A racionalidade econômica do art. 113 do CC
A primeira parte da equação prevista no art. 113, do CC, envolve compreender o que seria a razoável negociação das partes para o contrato. A segunda parte propõe inferir- deduzir, tirar por conclusão – o que seria razoável das (i) demais disposições contratuais e (ii) da racionalidade econômica das partes, para, dessa forma, obter a melhor interpretação para o contrato incompleto.
Finalmente, a legislação reconhece que na equação a assimetria de informações deve ser considerada levando em conta o momento em que o contrato é celebrado. Sendo assim, embora o contrato trate de futuros estados de mundo, tomará por base as informações que as partes dispunham quando celebraram o contrato.
A primeira parte da equação afirma que a interpretação “deve lhe atribuir o sentido que corresponder a qual seria a razoável negociação das partes sobre a questão discutida”. Portanto, envolve conhecer as condições sobre as quais as partes negociaram as cláusulas do contrato. O momento que antecede a formação de um contrato envolve esforços consideráveis das partes para suprir a natural assimetria de informação presente. Cada parte vai avaliar o nível de informação de que dispõe e que pretende ainda obter visando a celebração do contrato, pois, para obter a informação, são despendidos custos consideráveis de tempo. Adicionalmente, algumas informações são públicas e, portanto, facilmente acessíveis a custos relativamente baixos. Entretanto, outras informações são do tipo privadas e obtê-las envolve custos que as partes podem não querer incorrer. Essa fase também envolve analisar a informação obtida, processando-a para poder extrair o conteúdo necessário para reduzir ou eliminar uma dada assimetria informacional. Embora seja uma fase muito importante, as partes são orientadas segundo a sua racionalidade limitada e podem contentar-se, não com um nível ótimo de informações, mas com um nível suficiente e não necessariamente exauriente, dados os custos envolvidos.
Obtida e processada a informação, as partes partem para a negociação que precisa ser razoável. Mas o que é razoável? Essa avaliação depende de uma série de circunstâncias próprias de cada contrato e das partes envolvidas. Em algumas oportunidades a “razoável negociação” para uma das partes envolve custos de transação relevantes e a inserção de cláusulas indesejáveis que podem inviabilizar a celebração do contrato. As partes envolvidas também podem ter posições jurídico-econômicas diferentes, de tal sorte que a “razoável negociação” não é algo uniforme, variando para cada uma das partes envolvidas em grau e extensão. Razoável não significa equilibrada. E razoável remete à razão, a racional. Portanto, é preciso avaliar a “razoável negociação” a partir da racionalidade limitada dos agentes envolvidos no contrato.
Em seguida, o artigo estabelece que essa “razoável negociação” deve ser inferida das demais disposições do negócio. O termo “inferida” remete a deduzir, o que se faz raciocinando e, portanto, novamente à luz da racionalidade limitada própria dos indivíduos quando se colocam a interpretar o contrato. Essa inferência se dá sobre as disposições do negócio, portanto, o ponto de partida é a própria literalidade das cláusulas contratadas entre as partes porque é pressuposto que elas reflitam a negociação que levou à sua formação. Entretanto, é natural que as partes levem em consideração seu auto interesse no momento de redigir as cláusulas, consolidando posições conquistadas ao longo da negociação segundo a sua capacidade de barganha.
Portanto, a literalidade das cláusulas fornece pistas, mas não necessariamente a solução para resolver problemas interpretativos no contrato. Elaborar contratos com cláusulas que abranjam uma grande quantidade de futuros estados de mundo é custoso e as partes podem optar por não as incluir de imediato no contrato, optando por estabelecer mecanismos de solução para essas contingências contratuais futuras. Assim, podem ser estabelecidas cláusulas de renegociação prevendo uma forma de ajustar as condições contratuais, em que as próprias partes buscarão ajustar os seus interesses para o caso do surgimento de circunstâncias que justifiquem a modificação do que foi estabelecido inicialmente no contrato.
A segunda alternativa é não estabelecer nenhuma cláusula neste sentido e confiar no paternalismo, conferindo aos tribunais a tarefa de ajustar esses interesses. Deixando, portanto, para o Estado a tarefa de interpretar o contrato para o qual ele não concorreu na fase de negociação, execução e descumprimento. O problema é que os tribunais também estão assimetricamente informados e dependem do que as partes informarão no curso do processo para tentar reduzir a sua própria assimetria.
E os tribunais podem incorrer, por esse motivo, em algumas situações desagradáveis porque as partes podem comportar-se de forma oportunista para obter vantagens extraordinárias e superiores àquelas que obteriam caso o contrato fosse cumprido tal como celebrado. É o caso das informações ocultas por uma das partes ou ambas, a assunção de riscos por uma parte fora do controle da outra parte, impossibilidade de perceber que a informação era detida pela parte que movimentou o tribunal.
Parte-se para algumas exemplificações, a começar pelo contrato de sociedade. No momento da formação do contrato optam-se por cláusulas genéricas, ainda que se possa aprofundar mais um ou outro ponto, a regra é a generalidade. Isso ocorre porque, ao se formalizar o contrato social, não é possível antecipar todas as situações futuras e incertas que poderão ocorrer ao longo daquela relação que tende a ser de longo prazo. Assim, durante a relação contratual as partes, neste caso os sócios, vão estabelecendo sistemas próprios de solução das lacunas contratuais através dos quais preenchem no âmbito estritamente privado a incompletude que foi originalmente deixada por eles próprios. Podem fazê-lo informalmente mediante negociação; ou prever o modelo por deliberações em que a maioria societária tomará uma decisão que pode estar antagonizando alguns sócios no âmbito interno da sociedade.
Nos contratos de longa duração envolvendo o fornecimento de insumos essenciais para uma determinada indústria, as partes não conseguem prever todas as contingências da relação ao longo de períodos de cinco ou dez anos, motivo pelo qual costuma-se optar por contratos incompletos e aceitar a racionalidade limitada envolvida, fixando regras abertas de renegociação das bases contratuais à medida que a relação contratual for evoluindo no tempo.
Finalmente, a equação fica completa quando se observa que devem ser “consideradas as informações disponíveis no momento de sua celebração”. Neste ponto é preciso posicionar o contrato no tempo em que foi celebrado e aferir quais informações estavam disponíveis às partes, como elas as utilizaram e se o acesso a uma determinada informação seria capaz de alterar o processo decisório que levou ao contrato. As partes negociaram sob a égide de certas informações que estavam disponíveis – as tais informações públicas e privadas – ou de informações que trocaram entre si. Desde logo é preciso salientar que não é necessário disponibilizar todas as informações para a outra parte interessada na contratação, o que é preciso averiguar é se a informação seria determinante na decisão final ou não e qual das partes detinha essa informação. Certos aspectos da negociação envolvem naturalmente informações sigilosas detidas pelas partes quando começam a discutir um determinado negócio e a contratação. É natural a existência de assimetrias informacionais nestas fases. Todavia, isso envolve um conjunto de deveres anexos de informar, de transparência e de lealdade, à luz da boa-fé enunciada pelo art. 113 em seu caput.
A título de exemplo, na transmissão de estabelecimento empresarial é corriqueira a existência de discussões a respeito de contingências e obrigações que não foram informadas ao comprador. Neste tipo de caso, os tribunais reconhecem que cabe ao transmitente informar adequadamente o comprador para sanar a assimetria informacional, porque o comprador somente pode ter acesso a tais informações se for informado pelo vendedor. O quadro, porém, pode sofrer mudanças se as informações forem públicas e de fácil acesso, pois também não se pode albergar o amadorismo empresarial, ou ainda, se tais informações foram disponibilizadas e mesmo assim o comprador resolveu assumir o risco do negócio.
Portanto, é importante levantar quais eram as informações disponíveis e de quem era o dever de informar ou de manter-se informado.
VI. Conclusões
O texto não tem o objetivo de exaurir o tema, longe disso, visa unicamente apresentar umas primeiras linhas para reflexão a respeito de um tema que vem sendo desenvolvido fortemente na literatura contratual moderna, especialmente estrangeira.
A racionalidade econômica é limitada e isso impacta os contratos. Por isso é preciso compreender se a equação prevista no art. 113, parágrafo 1º, inciso V, do CC, é suficiente ou não para fazer frente a esse problema, uma vez que ele próprio enuncia a necessidade de observar a racionalidade econômica das partes.
Somando-se a isso, há a própria racionalidade limitada dos tribunais, que também precisa ser levada em consideração para a análise do problema.
Como esse texto é uma primeira reflexão, neste momento contenta-se em apresentar algumas bases para a compreensão do problema.
1 Recomendamos a leitura das seguintes obras: POSNER, Richard. Economic analysis of contract law after three decades: success or failure? The Yale Law Journal. Vol. 112, No. 4 (Jan., 2003); POSNER, Richard A. El análisis económico del derecho. 2ª ed. Tradução de Eduardo L. Suarez. México: FCE, 2007; BECKER, Gary. The economic approach to human behavior. Chicago: Chicago University Press, 1990 [1976]; COASE, Ronald. O problema do custo social, The Latin American and Caribbean Journal of Legal Studies: Vol. 3: No. 1, Article 9, 2008; KAHNEMAN, Daniel. Rápido e devagar: duas formas de pensar. Rio de Janeiro: Objetiva, 2012; THALER, Richard e SUNSTEIN, Cass. Nudge: o empurrão para a escolha certa. Elsevier, 2008.
2 Ver a respeito: KOROBKIN, Russell B.; ULEN, Thomas S. Law and behavioral science: removing the rationality assumption from law and economics. California Law Review, v. 88, n. 4, p. 1.060, July 2000. Disponível aqui; GREEN, Donald P.; SHAPIRO, Ian. Pathologies of rational choice theory: a critique of applications in political Science. New Haven: Yale University Press, 1961.
3 SIMON, Herbert A. A behavioral model of rational agent. Quarterly Journal of Economics, v. 69, n. 1, p. 99-188, Feb. 1955.
4 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia. 4ª Edição. I. Introdução e Microeconomia. 2021. AAFDL – Imprensa FDUL. Lisboa, p. 62
5 Vide: THALER, Richard. Fairness and the assumptions of economics. Journal of Business, v. 59, n. 4, pt. 2, p. 285, 1986.
6 Vide: TVERSKY, Amos; KAHNEMAN, Daniel. Judgement under uncertainty: heuristics and biases. Sciences, New Series, v. 185, n. 4157, p. 1124-1131, sep. 1974.
7 Vide: KAHNEMAN, Daniel; TVERSKY, Amos. Choices, values, and frames. Cambridge: Cambridge University Press, 2000.
8 ARAÚJO, Fernando. Introdução à Economia. 4ª Edição. I. Introdução e Microeconomia. 2021. AAFDL – Imprensa FDUL. Lisboa, p. 63.
9 ARAÚJO, Fernando. Teoria econômica do contrato. Coimbra: Almedina, 2005.