Com a reforma da Lei de Falências e Recuperação de Empresas, em outubro de 2023 o Superior Tribunal de Justiça afirmou ser válida a exigência de certidões de regularidade fiscal para concessão da recuperação judicial (REsp 2.053.240/SP), já que a 14.112/2020 teria estabelecido critérios especiais para o parcelamento de débitos tributários. Mais recentemente, o colegiado decidiu (REsp 1.955.325/PE) sobre a inaplicabilidade da referida exigência aos casos de homologação do Plano de Recuperação judicial antes da reforma, conclusão sob a qual trataremos no presente artigo passando por uma breve explicação dos pontos elencados a seguir:
- Por que a regularidade fiscal não era considerada requisito indispensável à Recuperação Judicial?
- O que mudou na exigência com o advento da Lei 14.112/2020?
- Por que empresas em recuperação judicial concedida antes da reforma estão dispensadas de comprovar regularidade fiscal?
Por que a regularidade fiscal não era considerada requisito indispensável à Recuperação Judicial?
Até a reforma da Lei de Falências e Recuperação de Empresas em 2020, o Superior Tribunal de Justiça mantinha o entendimento de que a exigência do artigo 57 – que impunha a apresentação de certidões de regularidade fiscal decorrente da quitação de todo o passivo tributário para a concessão da recuperação judicial – tornava o instituto da recuperação judicial absolutamente inócuo. Isso se deve ao fato de que as dívidas fiscais frequentemente alcançam montantes elevados, tornando impossível o seu pagamento por sociedades empresárias em crise econômico-financeira.
À época, a exigência de regularidade fiscal não dispunha de legislação específica sobre condições especiais de parcelamento de débitos tributários de empresas em recuperação judicial. Tratava-se de uma subjetividade do Poder Público oferecer um parcelamento adequado, o que sujeitaria o empresário contribuinte a um limbo que impossibilitaria a concessão da recuperação judicial (REsp 1.187.404/MT).
Ou seja, condicionar a homologação do Plano de Recuperação Judicial à apresentação de certidões negativas de cada ente federativo naqueles termos, seria adotar caminho diametralmente oposto ao objetivo de superação da crise econômico-financeira da recuperação judicial e aos princípios da preservação da empresa em que a Lei n. 11.101/2005 (Lei de Falência e Recuperação de Empresas) se pauta.
O que mudou na exigência com o advento da Lei 14.112/2020?
Com o advento da Lei n. 14.112/2020, foi introduzida a disciplina específica que estava em falta para dar eficácia à exigência de comprovação de regularidade fiscal. Ainda que com imprecisões e algum recuo, as inovações trazidas, se mostraram adequadas a facilitar, no contexto da recuperação judicial, a reorganização das dívidas fiscais mediante condições especiais de parcelamento, tais como:
- parcelamento do débito consolidado em 120 (cento e vinte) meses;
- utilização dos créditos decorrentes de prejuízo fiscal e de base de cálculo negativa da CSLL para a liquidação de parte do débito, autorizando-se o parcelamento do saldo remanescente em 84 (oitenta e quatro) meses;
- opção de liquidação dos débitos tributários por intermédio de outra modalidade de parcelamento instituído por lei federal, caso se revele mais vantajosa;
- possibilidade de utilização de transação que envolva os créditos inscritos em dívida ativa da União após o deferimento do processamento da recuperação judicial;
- faculdade de excluir do parcelamento débitos sujeitos a outros parcelamentos ou que, comprovadamente, sejam objeto de discussão judicial; e
- previsão legal no sentido de que os atos de constrição de bens sejam supervisionados pelo juízo da recuperação, malgrado as execuções fiscais não se suspendam.
A partir disso, o STJ firmou o novo entendimento (REsp 2.053.240/SP) da validade da exigência com a reforma de 2020, sob a justificativa de que as correções e adequações promovidas vieram no sentido de equilibrar os fins do processo de recuperação judicial em sua dimensão econômica e social e o interesse público (Fazenda Pública).
Por que empresas em recuperação judicial concedida antes da reforma estão dispensadas de comprovar regularidade fiscal?
Com o novo posicionamento adotado pelo Superior Tribunal de Justiça, levantou-se o questionamento de sua aplicabilidade perante recuperações judiciais já em curso, neste caso, se a regularidade fiscal deveria ser comprovada para o prosseguimento do procedimento mesmo se o Plano de Recuperação Judicial já estiver homologado.
Nesse sentido, pelo REsp 1.955.325/PE julgado em 12.03.2024, firmou-se o entendimento de que, nos processos cuja decisão de concessão da recuperação judicial (homologação do Plano de Recuperação Judicial) tenha sido proferida anteriormente à vigência da Lei n. 14.112/2020, a nova interpretação dada pelo STJ sobre necessidade de comprovação de regularidade fiscal não se aplicaria.
Logo, incidiria o princípio tempus regit actum (art. 5º, XXXVI, da Constituição e art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), aplicando-se o entendimento jurisprudencial antigo de forma a não prejudicar o cumprimento do plano homologado judicialmente.
Conclusão
A reforma da Lei de Falências Recuperação de Empresas trouxe uma adequação à questão da necessidade de comprovação de regularidade fiscal como requisito indispensável à concessão da recuperação judicial, dando eficácia ao artigo 57 da 11.101/2005 a partir da introdução de condições especiais de parcelamento de débitos tributários.
Como restou consignado pelo STJ, essa exigência não alcançará procedimentos em que o Plano de Recuperação Judicial tenha sido homologado antes da vigência da reforma de 2020, de modo que as recuperandas inseridas nesse caso estão dispensadas de comprovar a regularidade fiscal mediante apresentação de certidões negativas.
A perspectiva é de que a questão ainda suscite novos posicionamentos do STJ para a formação de um entendimento sólido sobre o tema. Enquanto isso, os profissionais do Escritório OG Advogados permanecem em constante atualização sobre os temas relacionados e se encontram à disposição para esclarecimento de quaisquer dúvidas e direcionamentos que se fizerem necessários.
Texto escrito pelo advogado Rodrigo Montefusco Mendes Pessoa.
Fonte: STJ – REsp: 1955325 PE 2021/0254007-6, Relator: Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, Data de Julgamento: 12/03/2024, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/04/2024