No dia 01° de julho de 2024, o Presidente Lula sancionou a Lei n° 14.905, de 28 de junho de 2024, que alterou o Código Civil e disciplinou a atualização monetária e juros no caso de descumprimento de obrigação pecuniária. O objetivo principal da Lei, que decorre do Projeto de Lei 6233/2023, é uniformizar as regras sobre atualização monetária, juros e ampliar opções, de maneira a suprir lacunas legislativas e mitigar os efeitos da ausência de consenso jurisprudencial. Neste artigo, abordaremos os principais aspectos e mudanças decorrentes da nova lei, bem como as informações dignas de nota para se evitar surpresas.
- O que mudou?
- A quais casos se aplica?
- A que situações não se aplica?
- Vale a partir de quando?
O que mudou?
A Lei 14.905/2024 modificou a redação de uma série de artigos do Código Civil, a dizer: arts. 389, 295, 404, 406, 418, 591 e 772. Os referidos artigos dizem respeito às punições e consequências do inadimplemento de obrigações contratuais e as questões atinentes à responsabilidade extracontratual.
De modo geral, nunca chegou a haver consenso doutrinário ou jurisprudencial a respeito dos índices de correção monetária aplicáveis em caso de omissão das partes e da legislação, especialmente no que diz respeito às taxas de juros moratórios e remuneratórios previstas na legislação.
A partir da nova lei, com a modificação ao art. 389 do Código Civil, para os casos em que o índice de atualização monetária não tenha sido convencionado pelas partes ou não possua previsão legal específica, a taxa legal de juros a ser aplicada deve ser o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).
Quanto aos juros, com a nova redação do art. 406 do Código Civil, a lei prevê que a taxa legal deve ser equivalente à diferença entre a taxa referencial do Sistema Especial de Liquidação e Custódia (Selic) e o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA). A dizer: a diferença entre a Selic e o IPCA.
Até então, a taxa de juros utilizada nesses casos deveria ser a mesma em vigor para a mora de impostos devidos à Fazenda Nacional, previsão que gerava intensa divergência entre os tribunais, eis que alguns determinavam a aplicação da Selic, e outros a taxa padronizada de 1% ao mês.*
Por fim, a lei também flexibiliza a aplicação do Decreto-Lei n° 2.626, de 1933, conhecido como a Lei da Usura, que proíbe a cobrança de taxa de juros superior ao dobro da taxa legal e a cobrança de juros compostos (juros sobre juros).
Com a entrada em vigência da nova lei, a Lei da Usura deixa de se aplicar (i) a operações contratadas entre pessoas jurídicas, (ii) a obrigações representadas por títulos de crédito ou valores mobiliários, (iii) a dívidas contraídas com fundos ou clubes de investimento, instituições financeiras,sociedades de arrendamento mercantil , bem como (iv) a obrigações realizadas no mercado financeiro, de capitais ou de valores mobiliários, de acordo com o art. 3° da Lei 14.905/2024.
A justificativa para tal é o interesse em uniformizar as “condições para definição de taxas de juros em operações praticadas dentro e fora do sistema financeiro, de forma a viabilizar melhores condições de oferta de crédito aos tomadores”.**
Com isso, a Lei visa a possibilitar a realização de operações de crédito fora do sistema bancário, afastando as limitações nas relações entre pessoas jurídicas e demais hipóteses do art. 3°, mantendo, no entanto, a proteção conferida pela Lei às pessoas físicas.
A quais casos se aplica?
As previsões da lei se destinam a contratos de dívida sem índice de correção monetária e taxa de juros convencionadas pelas partes e ações de responsabilidade civil extracontratual, em que se mostra necessária a atualização monetária da prestação devida e não possuem delimitação legal expressa.
Em resumo, a lei diz respeito a hipóteses em que há inadimplemento/mora de obrigações contratuais, bem como quando há valores devidos em sede de responsabilidade civil extracontratual (em suma, indenizações por ato ilícito).
A que situações não se aplica?
A lei possui previsões supletivas, a dizer, que somente se aplicam quando as partes não tiverem convencionado em contrário e previsto índices de correção monetária e taxas de juros diversas.
Cumpre ressaltar, ainda, que a lei amplia as possibilidades de convencionamento de taxas de juros ao afastar a aplicação da Lei da Usura sobre uma série de relações jurídicas, listadas no art. 3° da Lei 14.905/2024.
Por fim, em decorrência da vacatio legis, a Lei não se aplica aos contratos já firmados e obrigações decorrentes de responsabilidade civil extracontratual surgidas antes do período de 60 dias após a publicação.
Vale a partir de quando?
A nova lei produzirá efeitos após 60 (sessenta) dias de sua publicação, que ocorreu em 01 de julho de 2024, à exceção do art. 2°, que inclui o §2° no art. 406 do Código Civil*** e que já produz efeitos na data da publicação.
Conclusão
De modo geral, a lei cumpre importante função no ordenamento, eis que supre omissão que vem gerando forte insegurança jurídica nas relações privadas e despadronização no tratamento da questão pelo Judiciário.
Com o objetivo de aprimorar o tratamento pelo sistema e garantir maior previsibilidade, é possível desde já aditar contratos já existentes ou firmar novos contratos já contando com a segurança decorrente da Lei, aplicando-se os termos e condições nela fixados.
Igualmente, a Lei dá maior autonomia às partes na tomada de créditos e na estipulação das taxas de juros aplicáveis, facilitando o acesso a medidas externas ao sistema financeiro pelas pessoas jurídicas interessadas.
Texto escrito pelo advogado Arthur Schwartz
*Agência Senado. Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2024/07/01/lula-sanciona-lei-que-uniformiza-juros-para-contratos-sem-taxa-convencionada#:~:text=A%20Lei%2014.905%2C%20de%202024%2C%20tamb%C3%A9m%20flexibiliza%20o%20Decreto%2D,compostos%20(juros%20sobre%20juros)>
** Íntegra do Projeto de Lei . Disponível em: <https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2382584&filename=PL%206233/2023>
***A previsão em questão é a seguinte: “§ 2º A metodologia de cálculo da taxa legal e sua forma de aplicação serão definidas pelo Conselho Monetário Nacional e divulgadas pelo Banco Central do Brasil.”