A chamada Lei do Ambiente de Negócios (Lei n. 14.195/2021) entrou em vigor em 2021 e regulou o retorno do voto plural no ordenamento jurídico brasileiro. A Lei promoveu alterações na Lei de Sociedades Anônimas, como (i) a revogação do art. 110, §2º, que vedava expressamente a atribuição de voto plural a qualquer classe de ações, e (ii) a inclusão do art. 110-A, que reinseriu e passou a regular o instituto, agora permitido às companhias brasileiras. O presente artigo irá apresentar o voto plural, passando por uma breve explicação dos seguintes pontos:
- O que é o voto plural?
- Qual é o objetivo do voto plural?
- Características e limitações do voto plural
O que é o voto plural?
No Brasil, impera o princípio da proporcionalidade, segundo o qual uma ação atribui um direito de voto ao seu titular. Tal princípio está diretamente ligado à ideia de “democracia acionária”, em que se atribui mais poder a quem detém maior parte das ações da Companhia. Assim, estabelece-se um equilíbrio, para que o acionista que tiver mais exposição financeira, também tenha, proporcionalmente, maior poder de controle.
Ocorre que, em diversos sistemas jurídicos esse princípio é mitigado, para fins de permitir a emissão de ações ordinárias de mais de uma classe com poderes de voto distintos. Por exemplo: pode-se emitir ações ordinárias de classe A, com 10 direitos de voto por ação; de classe B, com 1 direito de voto por ação e, inclusive, ações preferenciais sem direito a voto, nos termos do art. 17, da LSA.
Essas ações ordinárias de classes variadas são conhecidas como dual-class shares e são gênero do qual o voto plural é espécie. A partir delas, faz-se possível uma separação e consequente desproporção entre os direitos financeiros do acionista, os cash flow rights, e seus direitos políticos, os voting rights.
Assim, as ações ordinárias com voto plural são aquelas que possuem mais de um direito de voto nas deliberações sociais. Desse modo, expande-se os direitos políticos de certos acionistas, que passam a exercer um controle desproporcional sobre a empresa, mesmo que possuam uma quantidade menor de ações em termos de poder econômico.
Qual é o objetivo do voto plural?
Em alguns modelos de negócio, como empresas familiares e startups, pode ser interessante que haja certa concentração de poder nas mãos de um acionista controlador, usualmente o fundador. Assim, objetivo do voto plural é assegurar a determinado acionista, ou a categorias de acionistas, uma influência preponderante na direção da companhia, desproporcional ao capital que representam.
Quando o texto da Lei n. 14.195/2021 foi apresentado à Câmara pelo deputado Carlos Bezerra (MDB-MT), ele destacou que “A atribuição de voto plural a uma classe de ações configura estratégia com elevado potencial de incentivar a listagem em bolsa de valores de companhias familiares e startups [pequenas empresas de inovação] […] Isso porque essas são companhias cujo capital reputacional está, em regra, intimamente ligado a um fundador ou empreendedor. Atribuir-lhes voto plural é assegurar que acionistas-chave preservarão seu poder de controle, no cenário pós-abertura de capital, o que gera confiança – tanto para os demais acionistas quanto para potenciais investidores – na continuidade do padrão gerencial da companhia”.
A criação de classes de ações com direito de voto plural é uma possibilidade interessante para companhias com interesse em acessar o mercado de capitais e, simultaneamente, assegurar a manutenção de poder pelos fundadores, que podem instituir estratégia de longo prazo para o desenvolvimento e consolidação da sociedade, a despeito de eventuais retornos negativos no curto prazo.
Características e limitações do voto plural
A partir da Lei n. 14.195/2021 , é admitida a criação de uma ou mais classes de ações ordinárias com atribuição e voto plural, limitadas a 10 (dez) direitos de voto por ação ordinária.
O limite temporal do direito é de, no máximo, 7 anos de vigência inicial, podendo ser prorrogada por qualquer prazo, desde que observadas as formalidades de aprovação, como por exemplo: (i) que os titulares das ações com voto plural que se pretende prorrogar sejam excluídos da deliberação e (ii) que seja assegurado direito de retirada aos acionistas dissidentes.
Além do limite temporal, a Lei prevê alguns eventos que, caso ocorram, servirão como gatilho para que as ações com direito de voto plural automaticamente percam o direito. São hipóteses relacionadas à transferência da participação a terceiros, e casos em que o titular das ações com voto plural ajuste convenção de voto com outro acionista que não seja titular de ações com voto plural.
Por fim, destaca-se também que o voto plural não pode ser computado em votações na assembleia que tratem da remuneração dos administradores, por exemplo. Isto é, a LSA criou mecanismos que impedem que o voto plural seja computado em matérias que podem, em tese, beneficiar o grupo de controle de modo particular, ou que podem caracterizar situação de interesse conflitante com a companhia.
Conclusão
Dentro das condições e limitações previstas em Lei, o voto plural é um mecanismo interessante e que possui grande relevância prática na organização do poder interno da companhia. Enquanto forma de mitigação do princípio da proporcionalidade, ele permite que um determinado acionista, ou grupo de acionistas, façam prevalecer sua vontade, independentemente de aporte significativo para o capital social.
A perspectiva é de que o voto plural seja cada vez mais utilizado na organização societária do controle interno das companhias brasileiras. Enquanto isso, os profissionais do Escritório OG Advogados permanecem em constante atualização sobre os temas relacionados ao direito societário e se encontram à disposição para esclarecimento de quaisquer dúvidas e direcionamentos que se fizerem necessários.
Referências:
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